Deixo aqui os artigos citados e a apresentação utilizada na minha palestra sobre fake news no evento da Escola de Prerrogativas da OAB/RJ
Artigo 3 Pontos sobre a PL das Fake News (parte 1)
Eu fiz uma rápida análise do PL das Fake News, tendo como base a versão do dia 29 de junho:
01. O PL não trata apenas das fake news. É muito mais amplo. Na realidade, visa regular toda a Internet brasileira, estabelecendo uma quantidade gigantesca de formalidades e deveres para redes sociais e ônus para os usuários.
É a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.
02. Por impor tais deveres à iniciativa privada e impactar a vida dos usuários, deveria ouvir os atores envolvidos. Seria democrático e sensato. Na realidade, a votação no Senado foi rápida, com poucos debates e muitos hashtags no Twitter. Qual a razão de tanta rapidez?
Duas possibilidades:
a) ter uma “lei sobre fake news” já para as eleições deste ano, o que irá causar uma verdadeira guerra digital, tendo como palco a Justiça Eleitoral;
b) ter um instrumento legal a ser utilizado contra o governo, especialmente em relação às acusações de disseminação de fake news pelo “Gabinete do Ódio”.
Mas, caso o PL seja sancionado, já poderia ser utilizado nas eleições de 2020? O art. 16 da Constituição Federal estabelece que “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
Não há aqui uma alteração ao processo eleitoral. Quando muito, há deveres aos provedores “de redes sociais” (os “provedores de aplicação”, na terminologia do Marco Civil) que impulsionem propaganda eleitoral (art. 15). Assim, pode-se dizer que, quando muito, apenas aperfeiçoa o processo legislativo, razão pela qual o PL estaria afastado da limitação temporal do art. 16, CF (nesse sentido, vide STF-ADI 3.741, sobre a minirreforma eleitoral de 2006).
03. Cria um sistema de governança estatal da Internet: a Grande Rede nasceu da Arpanet, a rede do Departamento de Defesa do governo americano, mas amadureceu e migrou gradualmente para a iniciativa privada, criando-se um modelo governança multissetorial, envolvendo, em escala mundial, a ICANN, o IETF, o W3C e outros grupos e entidades. Esse modelo foi seguido pelo Brasil com a criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).
Pois bem, o PL 2630 é um retrocesso: estabelece o “Conselho de Transparência e Responsabilidade da Internet” (arts. 26 a 30), a ser criado pelo Congresso Nacional, com uma série de atribuições muito semelhantes ao do CGI.br. Mas o legislador foi além, e, em um momento de empolgação, definiu que esse “Conselho de Sábios da Internet Brasileira” pode, veja só, “elaborar e sugerir código de conduta a redes sociais e serviços de mensageria privada (…) dispondo sobre fenômenos relevantes no uso de plataformas por terceiros, incluindo, no mínimo, desinformação, discurso de incitação à violência, ataques à honra e intimidação vexatória” (art. 26, II).
O PL 2630, tal como está, representa o momento social e político que estamos vivenciando, com a proliferação de normas que demonstram a interferência exacerbada do Estado na iniciativa privada e a clara intenção de impor mecanismos legais de controle da liberdade de expressão na internet.
Analisando o PL das Fake News (parte 2)
Continuando a série de textos sobre a PL das Fake News (PL 2630), eu gostaria de comentar sobre o art. 10, que estabelece o dever dos serviços “mensageria privada”[1] de armazenar as informações relativas às “mensagens veiculadas em encaminhamento em massa”.
E o que seriam “mensagens veiculadas em encaminhamento em massa”? Spam? Correntes de oração?
Na verdade, o legislador trouxe um conceito matemático, digno de normas tributárias: é o envio de uma mesma mensagem por mais de 5 usuários, no período de 15 dias, para grupos ou listas de usuários (§1º).
Por qual razão escolheram esses critérios? Jamais saberemos.
E o referido dever consiste no armazenamento não das mensagens, mas dos seus metadados, ou seja, das informações que as individualizam, como o usuário (por meio do seu número de telefone, login ou email de cadastro), a data e hora de encaminhamento e o quantitativo total de destinatários (§2º).
Esse dever de guarda de informações está restrito às mensagens que atinjam mais de mil usuários (§4º), e o seu uso será apenas para a responsabilização pelo encaminhamento de ilícitos (possivelmente na seara eleitoral), e na persecução penal, exigindo prévia ordem judicial para se acessar tais informações (§3º)
Na realidade, o legislador estabeleceu um dever de monitoramento dos usuários, estabelecendo, como atitude suspeita, a grande aceitação de um determinado conteúdo.
Os indivíduos que possuírem um discurso popular na praça das ideias digitais será recompensado pelo Estado com o seu “fichamento”.
Além de uma violação às liberdades democráticas mais importantes,, o referido monitoramento, trazido como justificativa para se identificar a autoria das fake news, em pouco contribui para a investigação.
Nada impede que uma mensagem de fake news tenha pouco engajamento, ou que sofra diversas alterações no seu reencaminhamento, o que dificultaria o monitoramento.
Se o PL dispensa a necessidade de armazenamento dos metadados nos casos em que a quantidade de destinatários seja inferior a mil usuários, como já foi dito, fica evidente que os provedores deverão monitorar constantemente TODOS os seus usuários, para verificar, assim, o alcance de suas mensagens.
A grande ironia é que esse PL se autointitula de “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.